
O setor de estética tem vivido um crescimento significativo nos últimos anos, com uma demanda crescente por procedimentos de alta performance. No entanto, nem tudo é glamour nesse universo. Mariana Éclissée, biomédica, especialista em saúde estética e gestora, sócia proprietária da Eclissée Estética Avançada, compartilha sua visão sobre um lado pouco discutido: os maus profissionais, os excessos de eventos adversos e intercorrências, os exageros que acabam comprometendo a segurança e a qualidade dos serviços prestados, além de uma preocupação crescente com a formação inadequada dos novos profissionais, a falta de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis e a facilidade de acesso ao ensino superior, especialmente com os cursos EAD.
Maus Profissionais e Falta de Qualificação
Mariana alerta que a falta de qualificação e o comportamento irresponsável de alguns profissionais são fatores preocupantes no setor. "A estética é uma área que exige precisão, técnica apurada e constante atualização. Infelizmente, há quem se aproveite do desejo dos clientes por resultados rápidos e visíveis para fazer promessas exageradas, sem a formação necessária", comenta.
Ela também destaca uma mudança preocupante nos cursos de formação superior, que hoje não têm preparado os profissionais com a mesma competência que antes. "As faculdades atualmente não estão mais formando profissionais tão capacitados e preparados para o mercado de trabalho como faziam há 8 anos atrás. A pressão por uma formação mais rápida e superficial tem afetado a qualidade do ensino, e muitos desses profissionais não possuem a base sólida necessária para garantir a segurança e o bem-estar dos clientes", explica.
Esse problema é ainda mais agravado pelo aumento da oferta de cursos EAD, que facilitam o acesso ao ensino superior, mas, muitas vezes, não oferecem a mesma qualidade e rigor dos cursos presenciais. "Hoje está muito mais fácil entrar na faculdade e concluir o curso, principalmente com a popularização dos cursos EAD. Embora esses programas ofereçam flexibilidade, muitos não têm a estrutura necessária para garantir uma formação técnica adequada. Isso representa um grande risco para o futuro da estética, pois estamos formando profissionais que muitas vezes não possuem a base prática e teórica suficiente para lidar com a complexidade dos procedimentos", alerta Mariana.
Essa percepção é ainda mais clara para Mariana, que foi professora de graduação e supervisionou diversos estagiários no setor da estética e laboratório. "Tive a oportunidade de acompanhar de perto a evolução (ou a falta dela) dos alunos ao longo do tempo. Notei uma queda na qualidade de aprendizado, com estudantes cada vez menos preparados para enfrentar os desafios reais do mercado de trabalho. Muitos chegam às clínicas sem o domínio de conceitos básicos e fundamentais", revela.
Excesso de Eventos Adversos e Intercorrências
Outro ponto que Mariana enfatiza é o aumento de eventos adversos e intercorrências em clínicas e consultórios. Com o avanço das tecnologias e o número crescente de novos procedimentos, os riscos de complicações também aumentam, principalmente quando realizados de maneira inadequada. "Muitas vezes, esses eventos são frutos de decisões precipitadas, onde o profissional busca um resultado milagroso sem se preocupar com a saúde integral do paciente", explica.
Mariana enfatiza que, além de técnicos, os profissionais devem adotar uma postura ética e responsável, evitando exageros nos procedimentos e garantindo que as expectativas do paciente sejam realistas. "Quando o paciente tem expectativas irreais e o profissional não sabe manejar isso, as intercorrências se tornam mais frequentes", alerta.
Os Exageros e Absurdo da Busca Pelo Perfeito
O exagero na busca pelo "perfeito" é outro ponto delicado abordado por Mariana. Ela observa que muitos pacientes, influenciados pelas redes sociais e pela cultura do 'fast beauty', acabam realizando procedimentos excessivos ou invasivos, sem refletir sobre os riscos envolvidos. "A pressão estética tem levado muitos a quererem mudanças drásticas sem avaliar as consequências para a sua saúde e imagem", afirma. Além disso, Mariana destaca que os profissionais que incentivam essas atitudes acabam criando um ambiente de insegurança para seus pacientes, gerando mais danos do que benefícios.
"Um bom profissional deve saber equilibrar o desejo do cliente com a realidade de seu corpo, respeitando os limites e a naturalidade", enfatiza.
A Importância de Dizer NÃO ao Paciente
Mariana também ressalta a importância de o profissional estar preparado para dizer "não" ao paciente, quando necessário. "Muitos profissionais têm medo de perder clientes e, por isso, acabam cedendo a pressões indevidas. Porém, o verdadeiro profissional deve ter a coragem de dizer não, quando o procedimento não for seguro ou adequado para o paciente", explica.
Essa postura de recusa é essencial para preservar a integridade do paciente e para evitar complicações que possam resultar em danos à saúde ou à imagem da pessoa. "É fundamental que o profissional tenha segurança em sua formação e em sua ética para orientar o paciente de maneira honesta, mesmo que isso signifique perder a venda. O 'não' pode ser a escolha mais sábia, quando se trata de saúde e bem-estar", destaca.
A Falta de Fiscalização e a Inação dos Conselhos de Classe
Mariana também aponta um problema grave que contribui para a perpetuação de práticas inadequadas: a falta de fiscalização eficiente por parte dos órgãos competentes, como a Vigilância Sanitária e os Conselhos de Classe. "A fiscalização tem sido muito falha, o que permite que maus profissionais continuem atuando sem as devidas qualificações e sem as condições ideais para garantir a segurança do paciente", critica.
Ela observa que, embora a Vigilância Sanitária não deva se responsabilizar pela qualificação técnica dos profissionais, é seu papel garantir que os estabelecimentos de estética possuam os requisitos de segurança, qualidade e uso de produtos adequados. "A Vigilância não pode ser responsável pela qualificação técnica do profissional, mas tem a obrigação de garantir que as clínicas e consultórios sigam as normas de segurança e de utilização de produtos, como a procedência e a adequação dos materiais e medicamentos utilizados nos procedimentos", explica.
Mariana também observa que os Conselhos de Classe, embora existam para regulamentar a profissão e garantir padrões de qualidade, muitas vezes falham em fazer cumprir as normas e em punir aqueles que se aproveitam da falta de supervisão. "É preciso mais ação desses órgãos para garantir que a estética avance de forma segura e responsável. A fiscalização inadequada contribui diretamente para o aumento de eventos adversos e para o despreparo dos profissionais", acrescenta.
Mariana é enfática ao afirmar que a falta de fiscalização também tem levado a situações ainda mais graves. "Estamos vendo o tempo todo inúmeros erros no setor estético, que, infelizmente, têm levado até a óbitos. Isso acontece principalmente pela ausência de uma fiscalização rigorosa e pela inação dos Conselhos de Classe em agir de forma eficaz. A falta de controle tem gerado um ambiente de risco para os pacientes, que acabam pagando o preço com sua saúde e até com suas vidas", alerta.
Ela também faz questão de ressaltar que, independentemente da classe do profissional envolvido, seja ele esteticista, biomédico ou médico, a fiscalização não pode fechar os olhos para esse tipo de cenário. "Não importa em qual classe está o profissional, a fiscalização não pode ser seletiva. Quando vemos erros que comprometem a vida e a saúde dos pacientes, a responsabilidade é coletiva. Precisamos de uma fiscalização mais rigorosa, que olhe para todos de forma igual e puna com severidade os profissionais que colocam a saúde dos clientes em risco", afirma Mariana.
Mariana ainda acrescenta que, além disso, os Conselhos de Classe estão mais preocupados com disputas internas sobre o que pode ou não ser feito, ou sobre o que compete a cada classe profissional, do que com a análise real do que está acontecendo no mercado e nos consultórios. "Os Conselhos estão brigando entre si sobre competências e atribuições, enquanto o mais importante, que é a segurança do paciente e a responsabilidade dos profissionais, está sendo deixado de lado. O foco deles não pode ser apenas na guerra de egos entre as categorias, mas sim em garantir que as práticas estejam alinhadas com o que é seguro e ético para o público", destaca.
A Vigilância e Seus Focos Desviados
Mariana também observa que, no que diz respeito à fiscalização das clínicas e consultórios, a Vigilância Sanitária tem se mostrado mais preocupada com questões burocráticas e administrativas do que com a qualificação dos profissionais. "Vejo que a Vigilância tem se focado mais em checar se as clínicas estão com as taxas em dia, se os papéis estão devidamente impressos e armazenados, e se os documentos obrigatórios estão em ordem, do que em fiscalizar a real competência técnica dos profissionais", critica.
Para ela, esse foco excessivo em detalhes administrativos, como a ficha de controle de temperatura, enquanto questões de higiene adequadas de bancada e a formação dos profissionais ficam em segundo plano, é uma falha grave. "É preciso que os órgãos de fiscalização olhem para a qualidade do atendimento, para a segurança dos pacientes e para a preparação técnica dos profissionais, não apenas para o que está impresso no papel. O verdadeiro cuidado com o paciente envolve mais do que documentos; envolve competência, ética e responsabilidade", finaliza.
Mariana Éclissée finaliza destacando a importância de uma postura ética e responsável no setor da estética, além de reforçar a necessidade de uma maior fiscalização para assegurar a qualidade dos serviços prestados. Para ela, o objetivo deve ser sempre proporcionar um cuidado que preserve a saúde e a autoestima dos clientes, ao invés de sucumbir à pressão do mercado e dos resultados imediatos. "A ética, a formação contínua, a fiscalização eficaz e a atualização são essenciais para garantir que a estética seja uma prática de cuidado e bem-estar, e não de riscos desnecessários", conclui.
Mariana Eclissée é um exemplo de superação e determinação. Diagnosticada com leucemia aos oito anos, enfrentou o preconceito e retomou os estudos com resiliência. Formada em Biomedicina, destacou-se como líder acadêmica e conquistou posições de destaque na área laboratorial, chegando à coordenação em grandes hospitais de Santa Catarina. Após anos de dedicação, redirecionou sua carreira para o empreendedorismo, aplicando sua paixão pelo cuidado humano na área da estética. Sua trajetória é uma inspiração de coragem, excelência e transformação.