Há um tempo atrás atendi em minha sala, uma mãe que me procurou, pois sua filha tinha dificuldades em socializar com os colegas, se sentia insegura na hora de fazer trabalhos em grupos, o que ocasionava dores de estômago na criança e ainda choro e desconforto na escola e mãe achava que sua filha poderia ter algum "transtorno de aprendizagem ".

Sempre faço uma conversa com a família perguntando como foi a infância de cada um dos pais, depois a adolescência, como foi a gestação da criança, se foi desejada ou não, se houveram intercorrências nessa gestação ou no parto. Entendo que não somos únicos, pois trazemos muito dos nossos pais, que trazem muito dos pais deles e assim por diante. 

Ocorre que nesse atendimento, que chamo de anamnese, iniciei conversando sobre como foi a infância da mãe que me relatou que quando era criança apanhava muito do seu pai. Independente da "gravidade" da sua "arte", ela apanhava com muita violência. Tão grande era a violência que ela chegava a implorar para que o pai parasse enquanto rezava em voz alta, suplicando pelo fim da surra. Ainda me contou que uma vizinha ria ouvindo a menina suplicando que o pai parasse e rezando preces cristãs. 

Uma pausa aqui: Você percebe o sadismo do ser humano? Ver motivos para rir ouvindo o desespero de uma criança?

Engoli a seco e perguntei como ela se sentiu com a fala da vizinha (o sofrimento de ter apanhado desse jeito já não era suficiente!)

Ela então me disse que sentia tanta vergonha que não conseguia mais olhar para aquelas pessoas, que se sentia culpada, que ela deveria merecer aquilo, já que os adultos acharam engraçado, levando isso para a vida dela como uma verdade: eu sou uma piada, não valho nada e realmente mereço apanhar da vida. 

A agora mãe, cresceu assim e criou sua filha muito preocupada que fizessem o mesmo com ela. Tinha medo que os colegas zombassem dela, das dificuldades dela, protegendo-a de tudo e inclusive verbalizando para a criança que iria a escola resolver as dificuldades enfrentadas pela menina (não queria que a filha sofresse o que entendia como humilhações). 

Compreende onde estava a dificuldade da menina? Devido ao sofrimento da mãe, a criança “devendo lealdade ao seu sistema familiar”, não pode confiar nas pessoas e interagir com os colegas nos trabalhos escolares. Esses momentos geram dor e sofrimento.

A criança sentia a dor da mãe. Isso é muito normal. Nem todas as dores são nossas e as vezes acabamos carregando uma carga do nosso sistema familiar. Percebem que inclusive no ambiente escolar as crianças podem estar trazendo cargas que não pertencem a elas? 

A mãe errou? Não! Ela é uma vítima. Porém quando pensamos, conversamos, externalizamos a nossa história, conseguimos ajudar nossos filhos a não sofrerem por questões que não são delas.

Enquanto mães e pais, precisamos curar essas feridas se queremos que nossos filhos se desenvolvam plenamente.  Eu sei que é extremamente difícil.  Acredite para mim também é.  Mas te desafio a dar  um passinho de cada vez.

Me conte. Você lembrou de algo que viveu na infância e que atrapalha a sua vida hoje ou a vida dos seus filhos?



Daiane Panosso é mulher e mãe, cheia de amor pela vida! Neuropsicopedagoga, especialista em Educação Inclusiva, Atendimento Educacional Especializado,  Organização do Trabalho Pedagógico e Gestão Escolar.