Ouvi de longe o telefone tocar e, em disparada, - do coração e das pernas – corri ansiosa para atender. Ao deparar com o aparelho e as minhas mãos trêmulas, imaginei como seria se uma secretária atendesse, em toda sua plenitude. Então, respirei fundo e limpei a garganta, me recompus e disse: - Alô!
Eu sabia, eu sentia em algum lugar no meu coração, que aquela ligação mudaria a minha vida. Do outro lado da linha, uma senhora, de voz rouca e muito querida, que desabafou a sua angústia e cansaço de muitos anos. Eu a ouvi atentamente, ouvi cada palavra e os suspiros da sua dor de cuidar sozinha da sua mãe com Alzheimer.
Quando desliguei o telefone percebi que eu estava apavorada. Meu Deus, é minha primeira cliente! Na emoção, entre o riso e o choro, estufei o peito dizendo em voz alta: agora não tem mais volta, Suayla! Afinal, estava tudo combinado, a filha precisava de ajuda para o final de semana. E eu teria, ainda, mais três dias para me preparar. Aliás, na minha cabeça, seria tudo muito perfeito.
Elas chegaram na manhã de sábado e que festa no meu coração! Recebi a Dona Maria com alegria, respeito e cuidado, tomando nota de todas as explicações da filha, tudo era importante. Puxei papo com a vó, mas a condição neurológica já estava bem avançada. Ela não mais articulava as palavras, apenas balbuciava. Tudo bem, pensei, os olhos contam o que o coração ressoa.
Levei a vó caminhar pela casa, alimentei, dei os remédios no horário... confesso que estava apreensiva com a troca da fralda, mas deu tudo certo! Ufa! Meu primeiro dia como “cuidadora de idosos” tinha sido um sucesso! Coloquei a nobre senhora na cama, que dormiu e roncou, enquanto eu parecia uma coruja ao seu lado. Eu nem piscava, passei a noite em vigília.
Na manhã seguinte, meus pais chegaram cedo para organizar o almoço. Enquanto isso, eu preparava tudo para a higiene da minha ilustre hóspede, achando que estava dominando as novas habilidades recém aprendidas. Separei as roupas e toalhas, aqueci o chuveiro, mas quem disse que a Dona Maria queria tomar banho?!
Como já disse Chico Buarque, “Não se afobe, não, que nada é pra já” , lidei uma hora e meia para convencê-la a entrar no banheiro e, lá dentro, caro amigo, foi um show! Mais duas horas entre tirar a roupa, banhar, secar e vestir. Era calor, eu estava ensopada quando terminei, e a Dona Maria, limpinha, saiu porta afora, indignada.
Naquele exato momento, me sentindo derrotada, eu me sentei no chão e chorei. Chorei copiosamente, pedindo ajuda Divina, pensando e refletindo sobre as minhas escolhas aos 24 anos. Me questionei sobre o meu propósito, será que eu tinha jogado fora os anos de graduação e pós-graduação em fisioterapia? Será que eu daria conta de cuidar de idosos na minha Instituição? E de dar um banho mais rápido? De trabalhar 24 horas, de administrar, de contratar pessoas, de enfrentar intercorrências clínicas e de lidar com a morte?
Tantas perguntas.
Bom, por que eu estou te contando isso? Porque eu aprendi uma lição valiosa sobre propósito: ele não é fixo ou imutável. Ele muda conforme nos movemos na vida e, talvez você, assim como eu, já tenha deparado com situações que lhe fizeram repensar o percurso. Se eu acreditasse que ser fisioterapeuta era meu único propósito na vida, teria desperdiçado a chance de aprender novas habilidades, a Casa Santa Catarina não existiria, e mais de uma centena de pessoas idosas não seriam ajudadas em sua última etapa da vida.
Entendo que o propósito da vida é dar certo, e todo dia vivo é uma oportunidade de testar coisas novas, de aprender e de compartilhar. O que você sabe e acha que é pouco, pode ser muito para uma pessoa que não sabe. Portanto, cada história sua é um universo de aprendizagem, com muitas lições, e eu faço votos de que você também extraia valor em cada uma delas.
Em poucas palavras: tudo é uma ferramenta, não é a obra. Você não é a sua profissão, nem seus títulos. Você é tudo o que aprendeu e o que ensinou ao longo de uma vida.
Se você gostou do texto, te convido a enviar ele para alguém que precisa se mover na direção de um sonho, ou pode chamar de propósito também.
Com carinho, Suayla.
Suayla Spiller Peruzzo é cristã, casada, empreendedora e esportista. Adora se conectar com ambientes e pessoas prósperas, que servem a sociedade e contribuem para o crescimento de outras pessoas e negócios.