Diante da tragédia em curso no Rio Grande do Sul/Brasil, podemos pensar como o luto faz com que percamos de vista a história, os projetos, o passado e o futuro, causando àqueles que vivenciam literalmente essa experiência e aos que são expectadores dela, cada qual com sua respectiva tensão, uma dor difícil de ser narrada.

O que acontece quando percebemos que não temos controle sobre as adversidades da vida? De que forma lidamos com a instabilidade das demandas que nos surpreendem quando tudo parece seguro e sólido? Onde encontramos forças para vivenciar, suportar e superar os lutos que nos são impostos? E lutos quase sempre são impostos, dificilmente são fruto de uma escolha pessoal.

No Sul do Brasil, há pessoas que se encontram diante de várias situações de luto, alguns perderam tudo; outros, apesar das perdas materiais, encontraram um familiar com vida, um animal de estimação que havia se perdido. Em maior ou menor dimensão vivencia-se algo que não estava previsto, que não fazia parte dos planos, do qual não havia a menor possibilidade de se cogitar, não dessa forma, não nessas proporções. Como mensurar o luto alheio?

Freud nos diz em seu texto Nossa atitude perante a morte (1915) sobre “o colapso que sofremos quando morre alguém que nos é próximo, um genitor ou cônjuge, um irmão, filho ou amigo precioso. Enterramos com ele todas as nossas esperanças, ambições, alegrias, ficamos inconsoláveis e nos recusamos a substituir aquele que perdemos. Nós nos comportamos como os Asra, que morrem, quando morrem aqueles que amam”.

Tal qual uma guerra, o sofrimento causado por essa tragédia atinge pessoas fazendo com que percam de vista, tudo ou quase tudo que lhes eram caros e preciosos (vidas, bens, história, futuro), afogados pelas águas da enchente que provoca o desaparecimento do que fazia sentido em suas vidas. É necessário atentar para o sofrimento psíquico que se impõe a uma população imensa e pensar que todo esse sofrimento causará sintomas, se fazendo necessário a reconstrução espacial e geográfica daquela região, contudo, muito mais importante, precisa ser a reorganização psíquica dos enlutados pela tragédia. 

No Rio Grande do Sul, assim como aconteceu em (Belo Monte) Altamira/PA, e nos dizem Dunker & Neto (2022), em seu livro Psicanálise e Saúde Mental, existe um homem sem lugar, onde o mal-estar que resulta em sofrimento e o sofrimento que resulta em sintoma apresenta um sujeito que teve arrancado de si o que reconhece como vida.


Márcia Teixeira é Psicanalista, Professora em cursos de Formação em Psicanálise, Palestrante. Formação em Pedagogia, Filosofia e Teologia, Pós- graduação em Psicanálise, Psicopedagogia, Educação e Saúde. Mental e Ciências das Religiões. Atua na Clínica Psicanalítica como Analista e Supervisora. Ministra aulas e cursos de psicanálise em diversas instituições. Idealizadora e Coordenadora de Estudos em Psicanálise do Instituto Scientia - RJ.